quarta-feira, 10 de abril de 2013

CGU aponta fraude em hospitais do Rio, envolvendo o Secretário de Saúde Sérgio Côrtes, do Governo de Sérgio Cabral.










CGU aponta fraude em hospitais do Rio


Uma auditoria da Controladoria Geral da União atinge em cheio o secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes. O relatório aponta desvio de R$ 23,5 milhões em hospitais fluminenses e a maior parte do rombo num hospital, o Into, que foi comandado pelo próprio secretário. Leia, abaixo, a reportagem de Leonardo Souza e Hudson Correa:
Auditoria detecta desvios de R$ 23,5 milhões em cinco hospitais do Rio
A maior fraude ocorreu quando o secretário de Saúde do Estado, Sérgio Côrtes, comandava uma das unidades

LEONARDO SOUZA E HUDSON CORREA
Em qualquer supermercado mediano no Brasil, o litro do leite, integral ou desnatado, custa pouco mais de R$ 2. A garrafa pequena de água mineral pode ser facilmente encontrada por menos de R$ 1. Pelas regras básicas da economia, se a compra desses ou de quaisquer outros produtos se der em grande escala, no atacado, os preços tendem a ser menores. Mas essa lógica não necessariamente se aplica aos hospitais federais do Rio de Janeiro, onde um esquema formado por funcionários e donos de quatro empresas praticou fraudes em processos de concorrência durante anos. De acordo com uma nova auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) concluída em novembro, a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, cinco hospitais e órgãos federais ligados à saúde no Rio de Janeiro foram lesados em pelo menos R$ 23,5 milhões entre 2005 e o ano passado. Mercadorias superfaturadas, serviços pagos e não prestados e licitações de cartas marcadas estão entre os crimes detectados pela CGU.
No meio do imbróglio está o atual secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes. Antes de ir para o governo, Côrtes dirigiu por cinco anos, de 2002 a 2006, o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). Foi no Into que se verificou a maior fraude, de R$ 21,2 milhões. As três empresas que participaram do esquema no Into foram contratadas na gestão de Côrtes e causaram prejuízo ao hospital ao longo de vários anos. Uma delas, a Padre da Posse Restaurante Ltda., chegou a ser dispensada de licitação – foi contratada a convite da direção do hospital. A Padre da Posse forneceu ao Into água mineral superfaturada, com sobrepreço de 219% por garrafa, de acordo com os técnicos da CGU. Enquanto cada unidade de 600 mililitros deveria sair por R$ 0,77, o preço cobrado do hospital foi de R$ 2,46. Ao todo, a Padre da Posse Restaurante desviou mais de R$ 3,8 milhões do Into ao fornecer mercadorias – além de água, outros itens de alimentação – acima dos preços de mercado.
O maior dano ao Into foi causado pela Rufolo Empresa de Serviços Técnicos e Construções Ltda., uma empresa cujo amplo campo de atuação inclui fornecimento de lanches, desinsetização, abastecimento de fio dental, manutenção predial, limpeza e conservação. Os técnicos da Controladoria identificaram contratação de serviços sem necessidade comprovada, serviços contratados sem a comprovação de que tenham sido prestados e preços aprovados de acordo com as propostas encaminhadas pela própria Rufolo, ou por outras empresas com vínculos familiares e societários com a Rufolo. De acordo com a CGU, os prejuízos causados pela Rufolo ao Into alcançaram R$ 16,9 milhões. Outra empresa que também fraudou o hospital foi a Toesa. Ela cobrou valores acima do mercado na locação de ambulâncias e veículos de passeio. O sobrepreço calculado pela CGU, nesse caso, foi de R$ 522 mil.
O Into é um centro de referência no tratamento de doenças e traumas ortopédicos de média e alta complexidade. Conta com um banco de ossos e administra uma enorme fila de espera por transplantes. Apesar de sua importância na área de saúde, não é a primeira vez que se encontra no epicentro de fraudes. A Procuradoria da República apontara desvios de R$ 6,4 milhões entre 1997 e 2001 e denunciara 11 pessoas por formação de quadrilha.
Diante do quadro de corrupção, um jovem cirurgião ortopédico assumiu o Into em 2002, com a missão de combater o esquema e evitar novos roubos. Exatamente ele, Sérgio Côrtes, então com 37 anos. Côrtes sofreu represálias. Foi ameaçado de morte, e seu gabinete teve de ser vasculhado após uma ameaça de bomba. Côrtes chegou a recorrer a proteção policial. Agora, a suspeita de fraude ronda justamente sua gestão no Into, que ele deixou para assumir a Pasta de Saúde do Estado e virar um dos secretários mais próximos ao governador Sérgio Cabral (PMDB).
Em abril do ano passado, Côrtes ficou conhecido por um motivo constrangedor. Foi divulgada uma foto em que ele aparece de guardanapo na cabeça, com o empresário Fernando Cavendish, amigo de Cabral e dono da construtora Delta, acusada de fraudes em contratos com o Poder Público. Ele também foi filmado ao lado de Cavendish e Cabral num show do U2. O deputado federal Anthony Garotinho (PR), que divulgou em seu blog a foto e o vídeo, disse que o show ocorreu em Paris, em julho de 2009, e que a festa do guardanapo aconteceu no restaurante de um hotel também em Paris, dois meses depois.
Procurado para falar sobre os desvios apontados pela CGU no Into, Côrtes afirmou, por meio de sua assessoria, que não teve acesso ao relatório da CGU e que cabe à atual administração do Into se manifestar sobre o assunto. Ele disse ainda que todas as contas de sua gestão foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União.
Todos os anos, a CGU realiza operações especiais e auditorias em prestações de contas de gestores federais. Em abril de 2011, ela iniciou uma auditoria especial em hospitais federais no Rio de Janeiro, com o objetivo de examinar contratos de serviços terceirizados em diversas áreas, como locação de mão de obra, alimentação, serviços de engenharia e aluguel de equipamentos. No curso dessas análises, a CGU já detectara irregularidades em contratos fechados pelas empresas Padre da Posse, Rufolo, Toesa e uma quarta companhia, a Locanty Comércio e Serviços Ltda.   
Em março do ano passado, o programa Fantástico, da TV Globo, denunciou um esquema de corrupção montado justamente por essas quatro empresas para tentar fraudar as licitações do hospital de pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante dois meses, um repórter gravou funcionários e donos dessas empresas oferecendo propina para vencer as concorrências. Em troca, diziam que forneceriam mercadorias e serviços a preços superfaturados. Em muitos casos, a valores muito acima dos preços de mercado, com margem para pagar a propina e ainda sobrar dinheiro para os corruptores.
Com base nessa denúncia, a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos (Delefin) da Polícia Federal no Rio de Janeiro, chefiada pelo delegado Victor Poubel, abriu um inquérito para investigar todos os contratos dessas quatro empresas com órgãos federais no Rio. Logo na fase inicial, foram ouvidas pela Delefin mais de 50 pessoas, entre os donos das empresas envolvidas no esquema e dirigentes dos hospitais e órgãos federais. Partiu também da Delefin o pedido para que a CGU realizasse uma nova auditoria em todos os contratos das quatro empresas com o governo federal. Foi a partir dessa solicitação da Delefin que a CGU concluiu o relatório a que ÉPOCA teve acesso, com a descrição das fraudes.
Apesar de tantos elementos levantados pela CGU, a equipe da Delefin está com as mãos atadas há quase um ano. O pedido de renovação do inquérito está parado desde abril do ano passado na 10ª Vara Federal Criminal do Rio, cujo titular é o juiz Marcelo Luzio Marques Araujo. Sem essa autorização da Justiça, a PF não pode dar continuidade às investigações nem rastrear eventuais pagamentos de propina aos servidores públicos.
Se a PF está impedida de agir na esfera criminal, na área administrativa a CGU fez seu trabalho. O caso que mais chamou a atenção dos técnicos da Controladoria foi do Into, pelos valores envolvidos e pela frequência das fraudes. Mas os trambiques praticados em vários outros hospitais da rede federal também mereceram destaque no relatório da CGU. Um deles ocorreu no Hospital Federal do Andaraí (HFA). Foi lá que se verificou o abuso no preço do leite descrito no início desta reportagem. A empresa Padre da Posse, a mesma que forneceu água superfaturada ao Into, cobrou do HFA R$ 5,52 pelo litro do leite, mais que o dobro do valor unitário de referência estabelecido pela CGU, de R$ 2,36.
O relatório da CGU chegou em janeiro ao Ministério da Saúde e está na mesa do diretor do Departamento Nacional de Auditoria, Adalberto Fulgêncio. Ele disse que aprofundará o levantamento sobre as fraudes e, numa segunda etapa, enviará fiscais aos hospitais e ao Into. Essa equipe de campo identificará, consultando toda a papelada das licitações, os funcionários públicos responsáveis pelo prejuízo ao Erário. “Os maus pagadores, que geralmente são servidores públicos, serão punidos, e recuperaremos o dinheiro público recebido pelas empresas. No caso do Hospital do Andaraí, já evitamos o pagamento”, afirmou.
ÉPOCA falou com o empresário Adolfo Maia, dono da Padre da Posse Restaurante. Ele disse que, no preço da garrafinha de água e no litro do leite, estão incluídas as despesas com serviços para distribuí-los aos hospitais. Ele negou fraudes. O advogado Fábio de Carvalho Couto, que defende a Rufolo na área criminal, afirma que não há provas materiais de que a empresa tenha fraudado licitações ou corrompido funcionários públicos. Os responsáveis por Toesa e Locanty não telefonaram de volta.










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